Quem são os que merecem a nossa atenção? São os que vêem no nosso caminhar um apagado e cansado "segue-me", na despedida um até já, no olhar um mundo inteiro, num sorriso o rasto de uma lágrima velha mas tão poderosa como uma mão dada, gritando em murmúrios um "não me largues". São os que por trás das nossas mentiras encontram a verdade, por trás do nosso sorriso um profundo medo e da nossa palavra de coragem um profundo cansaço. Quem sabe de cor as respostas que damos, as palavras caras que usamos, a marca das nossas sapatilhas. São os que nos agarram na mão e nos pedem ajuda. São os que vêem os nossos vícios como remédios. São os que sabem a cor do sublinhador de que gostamos, a marca da caneta, o tipo de chocolate. Conhecem o sabor da sopa, como desenhamos corações, em que pensamos nas horas de vigília. Sabem deixar-nos e ficar ao longe a olhar para nós. Sabem que quando desistimos é porque temos medo, e respeitam aquilo de que gostamos. Sabem se gostamos ou não de gomas, a cor dos vernizes, se preferimos água ou coca-cola. Sabem a marca do nosso telemóvel, e as nosas alcunhas são como orações sagradas. Sabem que não gostamos nem do dragão nem da princesa, mas sim da Rainha, que preferimos cruzar os pés enquanto andamos, e têm o telemóvel emparelhado com o nosso. Sabem que gostamos da tarde porque podemos relembrar o que aconteceu de manhã e sonhar com o que acontecerá de noite. Sabem que não são os bonés nem os chapés que nos protegem do sol, mas a sombra das árvores, e que as máquinas digitais não nos entreguem a foto para as mãos. Sabem que horas são no nosso relógio, e que horas são no relógio dos SIMS. Também sabem que gostamos dos vilões porque estamos fartos de mentiras, e que os nossos phones são brancos porque os pretos são muito escuros. Sabem que ouvimos música pesada porque a leve não dá para gritar e a razão pela qual usamos tacões altos é para podermos escorregar e nos levantarmos. Mais uma vez. Sabem que jogamos à bola porque a sensação de poder controlar algo é reconfortante e porque lhe podemos bater. Sabem que para onde olhamos quando estamos tristes é para os posters no quarto. Sabem isso tudo e sabem que nós não o sabemos. E é nessa ignorância que se constrói uma amizade.