Olho através da vidraça, da dança leve do frio ternurento, olho através da transparência deste pedaço de vidro ao qual todos chamam janela. Janelas para outro Mundo, janelas para fora de nós. Janelas que se fecham e abrem, janelas que resguardam, que seguram, que protegem.
E as memórias esvoaçam através delas, publicam a minha solene tristeza, destroem a fama do meu sorriso leve e branco.
Aquele era o tempo em que o oculto me amava, o tempo em que o agridoce inverno alegremente chegava, o tempo em que as gotas de chuva traziam a alegria de simples romances intemporais.
Há memórias que permanecem, que atormentam, que esmagam, no seu cínico, sarcástico poder de transportar, poder de fazer relembrar proibindo de fazer desaparecer. Nem um mágico com uma pequena e negra cartola, acompanhada de um pobre coelho repetidamente treinado para se meter em certos buracos, conseguiria fazer desaparecer estas memórias, talvez a única coisa que impressionasse realmente alguém. Mas eu gosto de magia. Faz-nos pensar que tudo é possível... e não é esse aquele pensamento que todos querem pensar? Digamos até, ter consigo?
Mas não. Estes tempos prendem-me, agarram-me, abraçam-me como um fina grade de uma qualquer cela, de uma qualquer prisão fúnebre, algures num beco, emergida na penumbra dos pecados mórbidos de todas aquelas almas penosas de roupa simples e cabelo apanhado, poucas ou nenhumas pulseiras e muitos pensamentos e sonhos.
Também vejo um pouco o sol nascer aos quadradinhos, como um chaga de esperança, um labirinto de terrorres inconstantes e de vontades de que volte a ser como era.
Mas não volta. Restam-me apenas as memórias tristes, os tempos tão violentos quanto o cortante golpe de uma espada, e a felicidade quase sempre presente que luto, mesmo constantemente, para não perder. A imagem desesperante da felicidade a escorregar-me entre os dedos, a fugir-me nos seus caprichos e voltas incompletas, nas suas mentiras falsamente verdadeiras, aterroriza-me. E por isso eu também sou uma prisão, também uso roupas simples, também apanho o cabelo, também estou repleta de pensamentos e sonhos e também uso poucas ou nenhumas pulseiras... e também prendo as memórias a mim mesma.
6 comentários:
Às vezes temos de descer para começar a subir. Acontecem-nos as coisas que conseguimos suportar...são as leis kármicas em funcionamento. E acontecem-nos porque precisamos delas. Embora na altura nada se vislumbre de bom, tudo, em rigor, tudo tem um lado positivo e a médio/longo prazo conseguimos perceber o porquê de sermos nós, naquele momentos e naquelas circunstâncias.
IM
As memórias ficam... Todas. Existem filtros que nos fazem ter acesso a algumas... As mais importantes e que não conseguimos, e nem sei se devemos querer sequer, apagar. Memórias... Incrível como tudo tem por base memórias, o cérebro, é a marca da humanidade. E depois há aquilo a que o "meu" amável Pessoa chama a dor de pensar. Essas memórias podem magoar, ou por outro lado não, é sempre bom recordar. Mesmo o mau, para não o voltarmos a repetir, o que não é menos bom. E é nesta "dor de pensar" que ás vezes ficamos estacionados, presos... Atrás dessas grades que falas, e quando olhamos pela janela vemos um mundo que não parece o nosso, nem nos parecemos nós dele... Ficamos presos. No tempo.
Mas para ser honesta prefiro a dor de pensar do que o pensamento ilusório, que é isso que os mágicos fazem, iludem. Nesse não vejo grande vantagem. E não são precisos (embora façam transparecer que sim) coelhos, nem cartola para mostrar que "tudo" é possível. (Já relacionando este comentário com o teu "e este é o segredo". Porque é. Confiarmos em nós é uma grande ajuda para isso.
E não há dor que o tempo não acalme :)
E como já alguém disse "sofrer é inevitável, mas o que fazemos com a dor que se nos transmite, é muito relativo, e podemos dirigi-la para coisas boas, a tua escrita por exemplo, é fantástica Sofia!
And if you feel like you're trapped (in time), don't worry, you'll soon be free to fly. You have all that you need!
Tudo tem um siginficado... IM
A minha escrita é fantástica e o teu comentário deixa-me sem palavras! :D
Mas eu também prefiro a dor real de pensar, a realidade dura. Custa a aceitar, mas fortelece-nos, torna-nos guerreiros da nossa própria guerra, inimigos e aliados em simultâneo. A dor ilusória, essa sim, é terrível. Tal como o "sofrer por antecipação". Tudo aquilo que não acontece, tudo aquilo que dói de forma precoce é, na minha opinião, sempre mais doloroso porque, para além de doer, não existe.
beijinhos ;)
Dito por ti: "Tal como o "sofrer por antecipação". Tudo aquilo que não acontece, tudo aquilo que dói de forma precoce é, na minha opinião, sempre mais doloroso porque, para além de doer, não existe."
Tem todo o sentido a meu ver, e digo isto porque sei muito bem o que é sentir isso na pele. Eu sofro por antecipação. Por coisas que nem sequer existem e tenho medo que aconteçam. Tenho alguns momentos desses e são tão estúpidos e dolorosos. Mas lá está, somos o reflexo do nosso passado, ou se quiseres, memórias. E algo, que eu bem sei, me criou este medo que eu não tinha. Apesar de também ser da minha culpa..
beijinhos "menina do crepe" ahahah
Eu também sofro assim, sofro e sorrio. Sempre por antecipação... fico demasiado ansiosa por algo que vai acontecer, e com demasiado medo de algo que possa acontecer... estou sempre assim. Sofro sempre assim, e dói mais do que quando sofro por algo real, porque mais do que dor é irrelidade. Apesar de doer, é incerto. Apesar de doer, pode nunca chegar a acontecer...
beijinhos, "menina do compal tutti fruti" xD
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