
Este lugar não é uma casa, não é lugar nenhum. Estas paredes geladas, a madeira lascada do chão, a calçada com o agridoce aroma do mar. Este lugar não é nada assim, não é nada sem ti.
Pára, mão, pára de tremer sobre esta folha que há muito te prendeu, imploro, porque não consigo nem nunca consegui impedir estes ossos frágeis de desenharem os mil ressentimentos da minha mente num segundo de papel. E isso é tão irritante. Foi o peso do mundo, o peso do mundo que me impediu de te deixar quando ainda era dona da liberdade das paredes geladas deste lugar-nenhum, e agora que essa liberdade é cravada no chão com unhas ensanguentadas e anunciada como minha, é o meu próprio peso que não me permite deixar-te. É o peso dos cabelos presos nas unhas, os olhos em chamas, o sangue a escorrer-me pelo pescoço e a percorrer-me o peito, e as pernas, e todo o meu corpo a ser engolido pelo sangue. Sabes quanto dói? Presumo que sim, porque a causa de dores mil vezes piores sou eu. Só eu, espectro desorientado na auto-estrada, salvo pelos cabelos loiros de ser atropelado, é a causa das tuas lágrimas, a causa das noites em que o sono te foi roubado. Só eu sou a cruz que arrastas todos os dias e, pior que tu, porque cresci neste lugar que nada é para me tornar fria como nunca julgaste que eu pudesse vir a ser, sou eu. O peso que eu própria me obrigo a carregar, as flores murchas ao longo do caminho na entrada, os altos ciprestes do labirinto. No entanto eu sei, eu sei que um dia tudo vai chegar ao fim. Eu sei que tu, e eu, sozinhos ou não, encontraremos a saída. Tu encontrarás esse alguém que te iluminará o sorriso, os olhos escuros, e eu... eu encontrarei uma casa também, um dia. Porque eles lugar não é lugar nenhum.
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