*rain*

Relembro como a esperança se arrastou por entre os meus dedos e delicadamente me foi roubada. Recordo as lágrimas a escorrer pelo meu rosto, os murmúrios desesperados de aclamações de vingança, os arranhões nos braços para fugir à tentação de agarrar numa faca e despedaçar os meus pulsos em mil pedaços. Relembro as longas horas sem comer, as noites desfeitas em lágrimas, as olheiras profundas e a pele pálida e quase cadavérica. Relembro a raiva, a força com que corria em educação física porque queria fugir de mim e abandonar toda a energia que me consumia. Recordo as saudades do que era, as fotografias rasgadas, as estátuas partidas. Recordo as músicas altas, as portas trancadas, a cabeça entre os braços. Relembro atirar tudo ao chão e juntar cada pedacinho do que se partia devagarinho, de joelhos, enquanto tingia o chão de lágrimas.

Depois veio a esperança. Veio o desinteresse. Depois deixei o negro dos meus dias e, mesmo sem querer, iluminei-os de luz. Ofuscada pelo brilho dessa luz, eu escondia o rosto entre as mãos e procurava de novo pelo meu cantinho abandonado onde vivera tanto tempo, por esse palco perdido de mentiras. Mas a luz apoderou-se de mim, conquistou-me.

Agora há esperança, há magia, há muitos sonhos por sonhar. Agora há muitos contos por desvender, muitos trilhos. Há tanta coisa e sinto-me tão ridícula por acreditar. Mas tão facilmente a escuridão tomará conta de mim e, sinceramente, não temo esse dia. Vivo algures entre os dois lados, salto de um para outro sem qualquer medo. E nem sei sequer viver sem estes problemas, nem sei sequer viver sem a escuridão.

Por isso, a medo, afirmo, baixinho... um dia tudo vai ficar bem. Mesmo sem saber o que isso significa.