bonequinha*

Passo horas a pensar em como entraste na minha vida. Em como, imperceptivelmente, me apoiaste enquanto eu caía e me fizeste sorrir. Passo horas a olhar para trás, enquanto os dias passam e o vento vai arrastando devagarinho as memórias más do dia anterior. Como posso eu ter deixado que entrasses na minha vida assim? Como posso eu estar a interpretar-te e a cada dia que passa sentir que fazes cada vez mais parte de mim, admirar-te tanto e defender-te com todas as minhas forças? Eu, tão realista e fria, facilmente irritável, deixar-te tomar parte de mim? Tu, que nunca faltas a um compromisso, que falas com um sotaque tão afetado, que vestes roupas extravagantes? És obcessivamente otimista. Não tens consciência do sofrimento dos outros. Tens maneiras admiráveis. Confundes diamantes com pérolas! Depois és querida, carinhosa, tentas que todos à tua volta sejam felizes. Mudas drasticamente com a rebelião. Afeiçoas-te às pessoas. És leal, facilmente impressionável, divertida. Por baixo de toda a maquilhagem que usas para esconder quem és, os teus olhos brilham de verdade. És sincera. Effie Trinket, do nome Euphemia, que significa "fair speech". Interpreto dezenas de personagens todas as semanas quando estou a ajudar nos ensaios, e só me sinto parte de ti. Só eu te conheço e sei que posso brincar contigo, porque sou eu que estou encarregue de te dar vida, de mostrar a todos menos de metade do que és. Só eu te conheço tão bem. Vou crescendo e vou interpretando personagens cada vez mais fortes, e aos poucos vou começando a perceber o que é realmente ser atriz. Não há maior dádiva na vida do que nos ser dada uma personagem complicada para interpretar. É então que criamos laços, é então que iniciamos um enorme processo de descoberta. É então que nasce a frustação de apenas nós a conhecermos. Daí o complicada, pois ninguém tem noção de quem é a Effie e tal é impossível mostrar. Apenas eu o sei. É aí que começa a magoar. É então que parece impossível sentir-me feliz em interpretá-la pois sei que a ideia que transmito não é a ideia real, a que eu tenho, obtida lendo nas mais profundas entrelinhas do que há de mais secreto nela. É então que faço uma lista na minha cabeça de todas as coisas boas em interpretar a Effie. É como um jogo. Uma rotina. E relembro também os momentos divertidos com ela, como quando ela tenta explicar à Katniss e ao Peeta que o Haymitch é quem os pode ajudar, arranjar patrocinadores, ser até a diferença entre a vida e a morte. Nesse momento, o Haymitch entra na sala, vomita e cai desmaiado em cima do vómito. "So laugh away" é o que a Effie grita ao Peeta e à Katniss enquanto contorna a piscina de vómito aos saltinhos e sai a correr da sala. Lembro também os seus momentos de pura ofença, como quando foi empurrada com armas pelos Soldados da Paz no Distrito 11. Quando quase sem conseguir respirar espera que a Katniss diga que NÃO ATIROU UMA FLECHA PARA A BOCA DO PORCO À BEIRA DOS PRODUTORES. Resposta negativa. Quando ela tenta ensinar a Katniss a comportar-se como uma senhora. Quando se junta aos rebeldes, quando carrega aquela expressão vazia nos olhos de que tanto se fala, quando tenta convencer a Katniss de que ninguém irá fazer mal à sua família. Quando o comboio avaria e ela enumera todos os compromissos e como eles serão drasticamente afetados por um atraso de 5 MINUTOS, e como logo a seguir ouve um sonante "Ninguém quer saber, Effie!" na voz forte da Katniss. Quando é abraçada pelo Haymitch e passa o resto da ceifa a tentar pôr a peruca no sítio.

Enfim. Se contasse todos os episódios inesquecíveis protagonizados por ela, demoraria muito tempo e este post já é um autêntico testamento. (ficou mesmo grande, agora que olho para ele xD)

Termino com um pedido: *sempre que uma personagem vos parecer simples, concentrem nela o dobro da atenção. essas são sempre as personagens que escondem mais segredos*