segunda-feira, 31 de outubro de 2011

interrogo-me...



2943699731_1_5_1tg9nw5b_large"Como é que certos tipos têm belas frases à hora da morte? O "tudo está bem" de Kant, ou o "mais luz" de Ghoethe, ou o "amanhã o que virá" de Pessoa, ou até mesmo, à maneira de Sócrates, o "levem daqui as mulheres" de Herculano? À hora da morte devia-se era estar calado. E à medida que se lá vai chegando, era o que se devia apetecer. E daí que talvez o não se perder a fala, mesmo em lamúria, é o sinal que resta de que ainda se está vivo. Mas se a coisa é a doer, fica-se quieto e calado, à espera. A granda verdade da vida é a morte. E um morto está sossegado. Como é que certos tipos à hora da morte têm o desplante de ter frases?"  Vergílio Ferreira, "pensar"

9 comentários:

daniela fernandes disse...

Como entendo! Quando bati de frente na morte, foi em 2005, com a morte da minha avó. Eu deveria ter uns 11 anos. E os meus pais não me deixaram ir ao funeral. Caíram naquele erro de que não se deve deixar ver alguém morto a uma criança tão pequena. Sabe-se lá, com medo de que fiquemos traumatizados talvez (?), mas eu queria imenso tê-la ido. Não fui. Nem ao funeral, nem à missa. Fiquei em casa com a minha irmã e com a minha outra prima da minha idade. Porque, ao que parece não tinhamos idade suficiente. Mas a minha prima de 14 anos já tinha. Acho que foi um erro tremendo da parte deles. Se eu pedi para a ver, deveriam ter deixado... Mas passou...
Mais tarde, em 2008, faleceu o meu avô. E esse sim, fui ver! Já tinha 14 anos, já deveria ter a idade certa... estive lá ao lado do corpo, naqueles dias em que o corpo fica na capela (não sei se é bem assim que se diz, mas espero que entendas), e eu só queria silêncio. Eu chorava em silêncio, pensava em silêncio. Cabisbaixa. Passei horas ali sentada, dentro de quatro paredes de pedra. Com o meu avô. Com o corpo do meu avó. E com as memórias que eu tinha dele. Desde o hábito de nos obrigar (às netas) a comer a sopa aos Domingos antes de irmos para nossa casa, a trazer-nos uma lata de rebuçados para nós escolhermos um. Ou dois. Dei valor a rotinas que até então não passavam disso mesmo, rotinas. "Dizia nunca esquecerei, e hoje lembro-me." (José Luís Peixoto) Mas é sempre assim, não é? Quando alguém nos falta... parece que dá-mos um valor diferente às coisas (porque eu já dava, em vida), depois é sempre diferente. Mais intenso. Apercebe-mo-nos de que acabou! Pelo menos daquele jeito e sentimos logo uma saudade antecipada. Depois existem todas aquelas coisas que fizemos e pelas quais nos arrependemos. Lembro-me, na altura, de me sentir triste por não ter ido todos, todos os Domingos a casa dele, devido aos estudos. Achei tão estúpido da minha parte.. como se isso impedisse algo.
(continua...)

daniela fernandes disse...

(continuação...)

Antes de morrer o meu avô começou a delirar.. mas nos momentos de "lucidez", ele falava connosco (com as netas) :)
Achei sempre que se safava, se havia coisa que ele fazia há anos era ir ao hospital e voltar. Como já li algures, parece que fechamos os olhos à morte com a esperança de que ela não nos veja, tal como nós não a estamos a ver. Mas ele viu-me bem. Não tardei a acordar com a notícia de que o meu vô tinha mesmo morrido.
E não houve nada mais reconfortante que o silêncio. Não há nada que queiras realmente dizer, nem nada que seja importante de ouvir. Só a voz, neste caso, do meu querido avô, no meu interior!
E, acredita, enquanto estive aquelas horas todas durante uns dias na capela.. eu estive bem. Quer dizer, bem melhor do que no dia do próprio funeral, em que fui agarrada por dezenas de pessoas a chorar, a dar os famosos "sentimentos/pêsames", a perguntar se estava bem. Claro que eu não estava bem! Fui agarrada por pessoas que nem me lembro quem eram, algumas nem conhecia sinceramente. E não sabia o que lhes responder. Se haveria de sorrir para as pessoas, de chorar como uma desalmada. Senti aquela pressão social.. sentia que deveria seguir um comportamento normal, que as pessoas "normais" seguem quando alguém lhes morre. Tinha medo que interpretassem o meu silêncio como indiferença. As pessoas comentam, tu sabes. E estava a sufocar por isso mesmo. Claro que não posso deixar de ficar grata pelo carinho delas. Sei que tinham as melhores das intenções, e que não sabiam que o silêncio era o melhor, pelo menos, para mim. Foram educadas de outro modo, ou então não sentiam a perda como senti. Aliás, não existe uma educação para a morte. Ela vem, e nós molda-mo-nos a ela da melhor forma.
Por estas razões, pela minha experiência, eu não gosto de ter de ir ao funeral de outras pessoas porque: Se não der os "sentimentos" tenho medo de que pensem que sou mal-educada e insensível, e ao mesmo tempo se os der, não quero estar a importunar o silêncio dessas pessoas que estão a sofrer a perda.. como importunaram o meu.
Mas dessa semana, mais negra, onde me senti digamos melhor.. foi mesmo na capela gelada, com a chuva e o vento a fazerem a tempestade (foi em Novembro), com o meu avô, e com o nosso silêncio.
Depois, por volta da hora do jantar, ia à pastelaria ao lado com a minha prima mais velha beber um chocolate quente com uma torrada, e sentia aquele calor do chocolate escorregar-me pela garganta abaixo. Aquecia. Recordava que tinha cá ficado.. e ele não.. o meu avó não.

Esse livro.. quando o terei? Deve ser fantástico ;)
beijinhos,
daniela fernandes

daniela fernandes disse...

Oh Sofia, agora não pude deixar de me rir ahahaha
tens dois comentários meus, para além deste porque a caixa de comentários aceita só 4 mil e tal caracteres e eu escrevi mais. Daí ter de partir o comentário em dois.
E a parte do "continua/continuação" é mesmo à telenovela.. ou filme ahahaha
beijinhos :D

common courtesy disse...

Que engraçado, tal e qual eu ahaha! Também queria muito ter ido ao funeral do meu avô, mas nao pude porque "era dia de escola". Isso irritou-me profundamente, mas acho que de certo modo me fez bem. Não por "não ter visto um falecido", mas sim porque ultrapasseio-o mais depressa, não prendi imagens à minha mente. Fui para a escola normalmente, consegui rir-me, tive pessoas a ajudarem-me. Descobri há uns meses que não sou uma pessoa fraca, e isso foi mais uma prova, essa e muitas outras em que eu nem tinha reparado... mas essa, o facto de eu ter deixado de lado o luto, e de ter ido para a escola em busca de ajuda, de sorrisos, em busca de alguém me que fizesse sorrir, em busca de boa disposição, é uma prova da minha força, da minha vontade de passar mais além. Deixei que me ajudassem e, realmente, acho que essa atitude foi decisiva.
Um dia foi poder orgulhar-me de que eu, Sofia Santos, não fiz luto, mas sim a vida normal de uma qualquer pessoa, mesmo que por dentro estivesse mal, e fui forte. Sim, eu.
E sim, eu também sinto muito isso. O "está boa a comida?", que eu ouvia sempre. O "hoje estás mais coradinha", ou o "ai a tua avó". Ele chamava-me muitas vezes "maria" ou "menina". Se me chamasse Sofia era porque estava zangado, e como isso era raro, sempre que para lá ia não ouvia o meu nome. Era sempre "Maria". E, na verdade, ele chamava "Maria" a todas as mulheres com que tinha à vontade. E a televisão, que sempre empancava e que, em vez de 11 jogadores de futebol, como era tudo a duplicar, contavam-se 22. O candeeiro que fundia, e as telenovelas "que não ensinam nada, é só drogados", têm agora um valor que dantes era igual ao valor, por exemplo, um dia normal, de uma jantar, de algo que se faz todos os dias. E como cresci sempre com apenas um avô, toda a minha atenção foi sempre dirigida a ele, de maneira que a morte dele nunca foi algo em que pensasse. Tal como não penso acerca da morte dos meus pais, ou de um amigo meu, não pensava na dele.
E eu penso o mesmo, e a minha experiência na capela não foi famosa. Cresce raiva dentro de todos quando conto isto. É que quando lá cheguei, não tive sequer tempo para dizer uma última palavra (a mim, que ele não ouviria (o corpo) a mente talvez, tanto que sonhei com ele duas vezes e não existem coincidências) porque as pessoas que lá estavam não sabiam o que era silêncio. Quando entrei, as atenções viraram-se para mim. "Está tão grande", "está tão bonita", "tem a idade do meu neto", foi o que se ouviu. E, sem ter silêncio, despedime-me rapidamente e, com cara de que tinha sido desenterrada, saí dali tão alterada que só me apetecia berrar. Nunca disse ao meu avô que o amava, assim, por estas palavras. Dei-o a entender vezes sem conta, ele sabia-o, dizia-o. Mas eu, eu nunca lhe disse. Queria tê-lo dito. Entretanto já disse, e sei que ele ouviu. Mas queria ter-lhe dito ali,enquanto ele ainda estava "por perto". Não pude, porque não me deixaram.
E por isso compreendo-te, e deixo aqui a minha experiência... mas vá, vou-me calar, que parece que temos guionista!!
Ahaha que tal um "remake" da "novela da nossa gente"?
beijinhos xD
sofia

daniela fernandes disse...

Escrevemos mais nos comentários do que nos próprios posts ahahaha

daniela fernandes disse...

Escrevemos mais nos comentários do que nos próprios posts ahahaha

common courtesy disse...

Pois foi :D ehehe
ps: escreveste duas vezes o mesmo comentário ahahaha

pss: gosto tanto de gozar ahaha

Anónimo disse...

Já me tinhas contado mais ou menos, Daniela, o que se tinha passado como teu avô. Sim, é um erro tremendo afastarmos as crianças da morte, afinal, ela faz parte da vida, mas...
(sim, as duas meninas aqui é uma converseta jeitosa!!!...)
Daniela, eu estou convencida (assim quase mo asseguraram) que o Pensar de VF vai ser reeditado, tal como as outras obras estão a ser. Entretanto, se quiseres ler mais algumas coisa dele, Estrela Polar e Cartas a Sandra são uma boa opção!!!

daniela fernandes disse...

Eu espero que seja.. entretanto, quando tiver novidades avise-me! Pois, acredito que sim.. e esses já os vi na Fnac.. vou ter de começar por aí, senão com tanta espera ainda ganho raízes..